segunda-feira, 11 de julho de 2011

E agora, Santos? - Folha de S. Paulo - 10jul2011

Em meio a uma onda de euforia econômica, cidade sofre com reflexos no trânsito e com a disparada dos preços dos imóveis 


ANDRÉ LOBATO, BRUNO RIBEIRO E NATÁLIA ZONTA


Balneário de férias, recanto de aposentados, ponto de passagem do dinheiro que entra e sai pelo porto. Nos últimos quatros anos, Santos, a 72 km de São Paulo, passou a rever os seus antigos adjetivos. A expansão concreta de sua economia portuária e petrolífera promove mudanças expressivas na vida da cidade ao mesmo tempo em que atrai os problemas que atormentam os grandes centros. Vivendo as expectativas em torno da exploração do pré-sal, Santos se anima com a chegada da Petrobras, que começou na última quarta-feira a construção de uma das três torres que erguerá no bairro Valongo. A primeira deve ficar pronta em 2013. Juntas, elas vão abrir 6.000 vagas de trabalho. 


O maior porto do país é outra promessa de geração de empregos. O projeto deve dobrá-lo de tamanho e atrair investimentos de cerca de R$ 6 bilhões. A obra, no entanto, pode esbarrar em questões ambientais. 


Um dos primeiros reflexos dessas perspectivas é a disparada dos custos. "Percentualmente, o preço dos imóveis cresceu mais do que em São Paulo em 2010", diz Celso Luiz Petrucci, diretor do Secovi (Sindicato da Habitação). Segundo Marcelo Melo, diretor da construtora Gafisa, que tem três empreendimentos à venda na cidade, em 2007, o metro quadrado de um apartamento custava cerca de R$ 2.800. Hoje, sai por R$ 6.000. 


Além de mais caros, os imóveis estão mais luxuosos. Enquanto a vizinha Guarujá, que um dia foi chamada de "pérola do Atlântico", recebeu 238 apartamentos de quatro dormitórios de 2007 para cá, Santos ganhou 1.772 nesse segmento. 


O problema é que a cidade continua sendo uma ilha de 39 km2. Tanta concentração imobiliária em tão pouco espaço traz uma série de novas questões urbanas, sendo o trânsito a mais notável delas. A saída encontrada pela prefeitura para evitar o colapso pode deixá-la ainda mais cara. Na próxima semana, o prefeito João Paulo Tavares Papa (PMDB), no segundo mandato, deve sancionar o novo Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal na semana passada. O conjunto de leis reduz a altura de novas torres em 20%, em média, em relação aos limites atuais. 


A oposição ao prefeito na Câmara -bancada que tem apenas 3 dos 17 vereadores- critica. "As restrições foram tímidas. Os limites às novas construções deveriam ser ainda maiores", afirma o vereador Adilson dos Santos Júnior (PT). 


Engarrafada 
Eduardo Arbid, 58, gerente comercial da construtora Abyara, sintetiza o que move a euforia que contaminou a cidade: "A qualidade de vida, o pré-sal e a expansão do porto". Arbid é um clássico santista e ilustra a história local. Campeão de vôlei de praia nos anos 1980, abriu uma loja de frente para o mar, expandiu-se pelo varejo, deu consultoria para empresas interessadas no porto e hoje respira a expansão imobiliária.


A cidade que enxerga, entretanto, é diferente da de dois casais de noivos que posavam para fotos na Bolsa do Café, prédio histórico reformado que é uma das estrelas da autoestima santista. David Oliveira da Silva, 31, e sua mulher, Ariane, 26, estão de mudança para a Praia Grande, a 10 km dali. "Os preços dos imóveis estão muito altos", diz ela.


No mesmo cartão-postal, outra dupla de recém-casados, Thiago Quintas, 35, e Julia Mendes, 34, afirma: "Nascemos aqui e criaremos nossos filhos aqui". Mas, para ela, a cidade está no limite. "Está muito trânsito." 


Proporcionalmente, Santos tem mais veículos do que a capital paulista. Repetindo o que acontece em São Paulo, o crescimento da frota não foi acompanhado por melhorias no transporte público.


"O crescimento vai gerar um problema de mobilidade. Muita obra, pouca infraestrutura. É preciso começar com uma ponte para o Guarujá e um metrô de superfície", avalia Robert Zarif, consultor do mercado imobiliário. A espera por uma ligação terrestre com o Guarujá, de responsabilidade do governo estadual, já dura décadas.


Praieiro, o santista dribla os engarrafamentos andando de bicicleta. Há dois trechos da ciclovia de Santos em obras, especialmente na zona noroeste. Hoje, há 19 km de vias, parte delas construídas como faixas marginais aos canais da cidade. "Teremos 40 km até o ano que vem", promete o secretário de Planejamento de Santos, Bechara Abdalla Pestana Neves.


Nas próximas semanas, segundo o prefeito, o governo do Estado deve iniciar a licitação de um trem leve que ligará a cidade ao restante da Baixada Santista, outra necessidade antiga. Mas a informação não é confirmada pelo governo. 


Gravata na praia 
Os novos ares que chegam a Santos também mudaram o perfil do turista que visita a cidade. Se antes, até meados dos anos 1990, eram paulistanos de férias que garantiam os lucros da rede hoteleira, hoje são empresários e executivos que sustentam a média anual de ocupação dos hotéis em 65%.


"Ao longo dos anos, os hotéis investiram em centros de convenção e salas de reunião. É um turista que vem o ano todo", diz José Lopez Rodriguez, presidente do Sindicato dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Baixada Santista e do Vale do Ribeira.


Apesar da aparente boa fase, ele vê com cautela os investimentos que chegam. "Queremos, durante a Copa, tentar receber uma seleção, mas isso não justifica o número de empreendimentos. Se todos eles saírem do papel, corremos sérios riscos."


Até o fim do ano, um hotel Ibis e um Mercure, ambos da rede Accor, devem ser inaugurados. Outros dois estão em construção e mais cinco aguardam aprovação da prefeitura. Quando esses projetos vingarem, o número de quartos vai dobrar.


Enquanto o turismo de negócios prospera, quem gosta de praia vai cada vez menos para Santos. Desde 2004, a média anual da qualidade das praias da cidade feita pela Cetesb é ruim ou péssima. A prefeitura afirma que investiu R$ 500 mil na modernização do sistema de comportas dos 13 canais da cidade e que faz ações em conjunto com a Sabesp para melhorar a balneabilidade.


A queda da qualidade das praias de Santos, e da maior parte do litoral sul, começou no início da década de 1980, com o aumento de ligações de esgoto clandestinas. A situação melhorou em 1990, quando um sistema de comportas passou a controlar a emissão de água dos canais no mar.


No litoral norte, ainda que existam praias com índices insatisfatórios, há mais locais próprios para banho. A praia da Baleia, por exemplo, a 96 km de Santos, em São Sebastião, teve média anual boa ou ótima, entre 2000 e 2009. Esse foi um dos motivos de a região ter "roubado" turistas de lazer -e dinheiro- do litoral sul.


Mais jovens 
Conhecida por ter uma grande fatia da população na terceira idade, Santos se tornou uma das moradias preferidas dos universitários, que já somam 50 mil, ou 12 % da população local. São 21 instituições de ensino superior, que vão ganhar um nome de peso: a USP está criando um campus na cidade, o primeiro na baixada.


A vinda da universidade estadual é estratégica e tem tudo a ver com o momento pré-sal. Vai suprir a carência por mais investimentos em tecnologia, afirma a prefeitura. Já no próximo vestibular da Fuvest, no fim do ano, serão oferecidas dez vagas para o curso de engenharia de petróleo, da Escola Politécnica. Segundo a USP, esse número deve subir para 50. Mas o prédio que abrigará o campus, cedido pela prefeitura, ainda nem começou a ser reformado. De olho na agitação dos mais jovens, o circuito que envolve a vida social também está mudando de perfil. Do ano passado para cá, a cidade ganhou 32 restaurantes. O sucesso dos novos pontos mostra que caem no gosto dos santistas os cafés e as padarias mais chiques, que viraram lugar de encontro dos estudantes.


Carlos Virtuoso, 48, santista, largou o ramo da construção para trabalhar com entretenimento. Uma de suas metas é elevar a ocupação dos palcos da cidade, que já revelaram grandes nomes da dramaturgia brasileira, como Cleide Yáconis e Cacilda Becker.


"Tem final de semana que você abre o jornal e não tem nada", diz ele, que organizou um festival nos moldes da Restaurant Week. "Antes era festival de fast food, agora mudamos para um evento gastronômico." Outra novidade é o festival Ibero-americano de Artes Cênicas Mirada, uma espécie de bienal do teatro que terá sua segunda edição em 2012. "Historicamente há uma força cultural na cidade", avalia Renato Oliani, gerente-adjunto do Sesc Santos. Os ares de balneário, de férias e de aposentados parecem mesmo adjetivos do passado.


Barcelona ou Barra da Tijuca?
RAUL JUSTE LORES*

Cacilda Becker e Cleide Yáconis cresceram em Santos, onde fizeram parte de uma das cenas teatrais mais férteis do país. Em seus palcos também surgiram Plínio Marcos, Ney Latorraca, Bete Mendes e Jandira Martini. 

Nos anos 1940 e 50, a cidade ganhou casas e prédios assinados por grandes arquitetos como Vilanova Artigas, Ícaro de Castro Mello, Artacho Jurado e Oswaldo Corrêa Gonçalves. 

A cidade era chamada de "Barcelona brasileira", não só pela quantidade de imigrantes espanhóis anarquistas, mas também pela força dos sindicatos -a política que produziu nomes como Rubens Paiva e Mario Covas.

A ditadura militar e a estagnação econômica promoveram uma fuga de cérebros que talvez seja revertida com a abundância do pré-sal. Mas não basta que o preço do m2 se multiplique para que Santos volte aos anos dourados.

Há décadas Santos promete sua versão do Puerto Madero, de Buenos Aires. Não saiu do papel e já foi passada para trás por Belém, Barcelona, Cidade do Cabo e até Guayaquil, no Equador.

O que resta de seu centro histórico tem sofrido retrofits tabajaras, onde edifícios coloniais e neoclássicos acabam ficando com a mesma cara.

Quem quiser visitar seus prédios mais antigos em um domingo encontrará portas fechadas e ruas desertas no centro. A Igreja da Ordem Terceira do Carmo, talvez seu mais belo conjunto colonial, implora por uma reforma antes que seja tarde.

Na Santos da orla, edifícios genéricos de Dubai e Miami se multiplicam. Dá saudade dos espigões que ficaram tortos por causa do solo praiano.

A vida cultural é rarefeita, apesar de a cidade ser a segunda no Estado de São Paulo em nível de renda. Santos ainda é uma Copacabana gigante, raro exemplo brasileiro que oferece boa qualidade de vida ao ar livre a seus mais velhos. Nesse quesito, é vanguarda. No resto, como a Barra da Tijuca comprova, nem sempre dinheiro fácil e novas obras melhoram um lugar.

*O jornalista é editor de Mercado e nasceu em Santos

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